O Escudo

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terça-feira, novembro 14, 2006

Tributação da herança

Através do Insurgente e do Adufe cheguei a um post de Rui Pena Pires (no Canhoto), no qual ele escreve que “para que em Portugal o chamado combate aos privilégios não termine com a monopolização dos ditos privilégios pelos mais privilegiados, algumas medidas de redução da desigualdade são fundamentais. Reduzir a desigualdade imputável à herança seria uma medida simultaneamente liberal e social. E uma medida que passaria, “simplesmente”, pela reposição do princípio fiscal alterado pelo governo PSD/CDS.” Desta forma, Rui Pena Pires (RPP) defende o defunto Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre as Sucessões e Doações (IMSISSD), na parte referente à tributação das transmissões gratuitas (doações e heranças).

O IMSISSD, imposto que entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 1959, foi revogado, aquando da reforma de tributação do Património de 2003, pelo DL 287 de 12 de Novembro. Com esta reforma, foi aprovado o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e as transmissões gratuitas (o já referido sucessório) foram integradas no Código do Imposto de Selo (CIS).

O novo CIMI determina que, enquanto não se proceder a uma avaliação geral, os prédios urbanos serão avaliados aquando da 1ª transmissão (gratuita ou onerosa) ocorrida após entrada em vigor desta lei. Entretanto, o Valor Patrimonial Tributário (VPT) foi actualizado com base em coeficientes de desvalorização da moeda, estabelecidos entre o máximo de 44.21 (prédios inscritos em 1970 ou anos anteriores) e o mínimo de 1 (prédios inscritos em 2002).

A avaliação nos termo do IMI consagra os contornos da realidade a tributar e dela, por norma, resultam VPT´s muito próximos dos valores de mercado.

A taxa do IS sobre as transmissões gratuitas sofreu uma forte redução, passando a aplicar-se apenas uma taxa única de 10%. No caso dos imóveis esta taxa incide sobre o VPT. No antigo imposto sucessório, as taxas eram progressivas e podiam atingir os 50%.

A reforma de 2003, ao abolir o imposto sobre as sucessões e doações relativo às transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários (cônjuge, descendentes e ascendentes), causou um forte abalo em alguns sectores, posicionados maioritariamente à esquerda, da sociedade portuguesa.

A tese de que a reposição da tributação das heranças seria um caminho para redução das desigualdades, à partida, parece ter fundamento. Porém, se analisarmos a questão à luz da referida reforma do património, depressa de conclui que a tributação dos herdeiros legitimários seria, não um caminho, mas antes uma verdadeira auto-estrada (com portagem pesada) para o acentuar dessas mesmas desigualdades.

Quando algum de nós ouve a palavra herança, imediatamente faz uma série de associações muito simples: herança = fortuna; tributar heranças = tributar os ricos. Mas será que estas conexões são assim tão lineares?

Há sessenta anos atrás, quando umas quantas famílias detinham o monopólio dos bens imobiliários, sim. Porém, actualmente, por mais incrível que possa parecer, grande parte dos portugueses são proprietários de imóveis. Logo, são presumíveis autores de uma herança.

Convido-o, caro leitor, a observar um hipotético exemplo, o qual ilustra de que forma a tributação das heranças, na conjectura actual, pode ser um factor de incremento das desigualdades.

O Sr. Dias e a Dona Perpétua, um casal de reformados, sem filhos, têm como único bem uma pequena casa com quintal, nos arredores de Albufeira, onde vivem.
Na sequência de uma doença súbita, o Sr. Dias faleceu.
A casa do casal Dias é avaliada segundo as regras do IMI, sendo-lhe atribuído um VPT de € 52.000,00. Como a D. Perpétua não estava isenta de imposto, teria de pagar 10% de IS sobre o VPT, ou seja €5.200,00.

Parece muito? Pois é, agora, se não for incómodo, apliquem este caso à vossa realidade.

A minha opinião já seria diferente, se o RPP falasse no outro tipo de transmissões gratuitas – as doações. Essa sim, deviam ser oneradas com imposto. Ou em alternativa, criarem-se cláusulas de salvaguarda para evitar a fraude. Pois, infelizmente, muitos contribuintes estão a utilizar o facto de não pagarem imposto nas doações, efectuadas aos herdeiros legitimários, para fugirem ao fisco, principalmente em sede de tributação de mais-valias.

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