O Escudo

Moedas, selos, histórias do quotidiano e outros coleccionáveis.

domingo, fevereiro 18, 2007

Domingo Gordo

Depois de ler este post, no Sino da Aldeia, sobre o Entrudo, lembrei-me que em tempos já tinha escrevinhado, num outro blog, algo sobre esse assunto. Vai daí, resolvi repescar este texto.

Como todos já repararam, hoje é domingo. Não um domingo qualquer, este é o último domingo antes da Quaresma, pelo que, além de ser dia de folia, é dia de comer e beber à tripa forra. Eu, que nestas coisas de comer e de beber, não deixo os meus créditos por mãos alheias, estou quase a rebentar. Tudo isto, claro está, em prol da tradição e da cultura popular.Quando, após o almoço, me sentei no sofá, acompanhado de uma divinal aguardente velha, algo de estranho aconteceu. De forma quase inexplicável, à medida que a aguardente fazia da minha garganta leito, o meu corpo mergulhava no sofá e a minha mente submergia, com doçura, na profundeza das memórias.Todo o meu ser foi invadido por imagens de outros Carnavais. Do nada, surgiram vultos do passado, que divertidos, espontâneos e livres jogavam ao Carnaval. Os foliões, a maioria mascarados, saltavam, gritavam, pregavam partidas, atiravam água, polvilhos e serpentinas. Outros, tocavam em bombos, latas, panelas velhas e em farranchos diversos. Também haviam cabeçudos e gigantones. As mascaras e disfarces, artesanais e improvisados, eram dos mais variados tipos e feitios e davam vida às mais diversas personagens e personalidades. No que a estas diz respeito, as mesmas eram oriundas não só na vida quotidiana, mas também do mundo da fantasia, da lenda e do misticismo. Estas figuras eram retratadas em quadros, quase sempre, de teor mordaz e satírico.Nisto, surge um grupo de rapazes numa grande algazarra. Para minha surpresa não traz mascaras. No entanto, faz-se acompanhar por algo que ainda não consegui descortinar o que é. Ao longe parece um boneco. Agora, que se aproximaram mais, tenho a certeza, sim é um boneco, ou melhor uma boneca. Para ser mais preciso, trata-se de uma Comadre. Confesso, fiquei emocionado, há mais de vinte anos que não via uma Comadre. As tradições do Carnaval popular português, aos poucos, foram caindo no esquecimento, dando lugar ao samba, às meninas seminuas e às fantasias de heróis de Hollywood made in China. Uma das primeiras tradições a desaparecer foi a celebração do dia das Comadres e dos Compadres. Estes dias, na tradição popular, correspondiam à penúltima e à última quinta-feira antes do domingo gordo. A celebração das Quintas-feiras de Compadres e de Comadres está carregada de simbolismo e era (felizmente, em algumas localidades, ainda é) realizada de formas muito diversas de Norte a Sul do País. Um dos ritos desta festa consiste numa “batalha” entre homens e mulheres. Na Quinta-feira de Compadres as raparigas fazem um boneco, o Compadre, o qual representa os homens com todos os seu vícios e manias. O Compadre é depois exposto em praça pública e através dele as mulheres satirizam os rivais do sexo masculino. Os homens, novos e velhos, juntam-se então com o objectivo de salvar o Compadre das garras do mulherio. Caso não o consigam, o “pobre” compadre será queimado pelas senhoras. Na Quinta-feira de Comadres invertem-se os papeis, os rapazes fazem uma Comadre e as raparigas e mulheres vão lutar para evitar que o mesmo arda na fogueira.Estava eu completamente absorto nestes pensamentos, quando uma figura estranha se abeira de mim. Era um ser pequeno, com um rabo e umas grandes orelhas. Assustado, dei um pulo no sofá, para gáudio da estranha personagem que exclama: - Olha pai, gostas do meu fato de Minnie? Despacha-te, temos de ir para o parque!Pois é “que bem prega frei Tomás…”

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